A memória do povo
Por Antônio Samarone
No início da década de 1980, nas manhãs de domingo, o professor Zé Costa reunia em sua casa um bando de jovens, para discutirmos a formação de uma Partido novo, um partido para mudar o Brasil.
Éramos estudantes, cheios de esperança. A primeira tarefa era arrumar alguém da classe operária, afinal, o Partido era dos Trabalhadores. Em Itabaiana, não era coisa fácil...
Foi uma luta. Todas as reuniões terminavam com uma promessa solene: na próxima, traremos trabalhadores. E nada... Só intelectuais e estudantes.
Finalmente, não sei quem chamou, mas estava lá, na reunião do PT de Itabaiana, Scala, um gari, um trabalhador da limpeza pública, em carne e osso. Entrava e saia calado, mas prestava a atenção.
Todos cheios de zelo, de cuidados com Scala, para que ele não desistisse. Para que ele entendesse o que era esse Partido diferente. Nunca se soube se Scala tinha ou não entendido.
As coisas não aconteceram como os nossos sonhos, mas aconteceram... Eu saí do PT e nunca mais encontrei com Scala. Quase quarenta anos.
Hoje fui a feira de Itabaiana, para as visitas que faço de tempos em tempos.
Fui abordado alegremente por um senhor, que me fez a pergunta clássica: está me reconhecendo? Eu olhei, dei um tempo, mas não reconheci.
Ele me puxou de lado e me deu um forte abraço. Cochichou no meu ouvido: “soltaram o homem!” Eu pensei, que homem? Ele insistiu, eu sou Scala, se lembra? Porra cara, Scala... Só aí entendi que o homem que soltaram foi Lula.
Professor Zé Costa, a minha dúvida acabou. Scala entendeu aquelas reuniões, e o mais importante, não esqueceu...
Antônio Samarone.
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